sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Manifesto do Partido Comunista


Sou especialmente reticente com relação ao pensamento marxista. Não por questão de oposição ideológica, mas por sentir sempre estar caminhando em terreno movediço. Em parte isso se deve ao fato de Marx ser o mais comentado e polemizado entre os três "fundadores" da sociologia (ou melhor, clássicos, no sentido forte do termo). A fim de completar a trilogia, que há muito estou devendo, apresento o que seria, talvez, a mais consistente ou sintética obra do intelecto de Marx, o Manifesto do Partido Comunista.
Antes de tudo, porém, é preciso esclarecer o que se entende por um manifesto, para compreender a natureza do documento escrito por Marx. Um manifesto é uma manifestação pública e solene das razões que justificam certos atos ou em que se fundamentam certos direitos. O Manifesto do Partido Comunista constitui, precisamente, na exposição pública das razões e propósitos da Liga dos Comunistas, i.e., as razões de o proletário revolucionar o estado de coisas estabelecido pela burguesia, especificamente as relações de produção engendradas pelos burgueses, cuja forma jurídica é a propriedade privada dos meios de produção. A Declaração de Independência dos Estados Unidos da America e o “Minha Luta” (de Hittler) são outros exemplos de manifestos políticos conhecidos na história.

A Relação entre Burguesia e Proletariado no Manifesto do Partido Comunista
Na medida em que a burguesia progride, i.e., em que concentra os meios de produção, desenvolve-se também o proletariado, que é a classe despossuída dos meios de produção, que está obrigada a dispor, em troca de salário, sua força de trabalho para sobreviver. Em outras palavras, a burguesia, detentora dos meios de produção, emprega mão de obra assalariada, que, utilizando os meios de produção do burguês, produzirá para ele, em troca do salário, bens a serem trocados no mercado visando o lucro.

“todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séquito de crenças e opiniões tornadas veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem mesmo antes de ser consolidarem. Tudo que é sólido e estável se volatiza, tudo que é sagrado é profano, e os homens são finamente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas”
A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente as forças de produção, por conseguinte ela revoluciona as relações de produção e toda a estrutura ideológica que se ergue sobre essa base. Em outras palavras, as relações de produção engendradas pela sociedade burguesa põem a nu toda a relação de exploração a que está submetida a classe oprimida, o proletariado – sem que qualquer mistificação religiosa, ou de qualquer outra natureza, se interponha – numa forma de exploração direta e aberta, cujo intermediário é o dinheiro.

“A condição mais essencial para a existência e a dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o aumento do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado baseia-se exclusivamente na concorrência dos próprios operários entre si. (...) A burguesia produz, acima de tudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis”
Ao concentrar os meios de produção, a burguesia destituiu uma grande parcela da população dos meios de sobrevivência, a qual resta apenas empregar a sua força de trabalho como artigo de troca. Dessa forma, o proletário constitui-se numa mercadoria como qualquer outra, exposto às mesmas vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado. No entanto, Marx não estava interessado apenas em descrever o regime capitalista. Ele queria demonstrar a sua natureza contraditória e antagônica. Marx afirma que o desenvolvimento incessante das forças produtivas (em que se incluem, não apenas os insumos produtivos, como também a força de trabalho) desencadeado pela burguesia encontrará o seu limite nas relações de produção, cuja forma jurídica são as relações de propriedade - as relações de produção implicam, não apenas quem serão os detentores dos meios de produção, mas também as maneiras de repartição das riquezas. A burguesia precisa revolucionar constantemente os meios de produção, e, por essa via, submete o proletariado a formas cada vez mais rotineiras e simples de trabalho, reduzindo, em conseqüência, a retribuição devida aos seus esforços. Dessa forma, a burguesia alcança níveis extraordinários de produção, e, no mesmo movimento, empobrece uma parcela significativa da população, os proletários. Resulta disso uma produção em níveis superiores a capacidade acumulada de consumo, i.e., uma crise de superprodução. Esta crise é a manifestação do caráter contraditório do regime capitalista, em que as relações de produção burguesa terminam constituindo um sério obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas. No entanto, não é apenas nesse sentido que o regime capitalista está fadado ao fracasso por razões intrínsecas. Com o avanço da indústria, o proletário não apenas se multiplica, mas concentra-se em massas cada vez maiores. O desenvolvimento do capital polariza cada vez mais o antagonismo social: as classes intermediárias (os pequenos produtores, comerciantes e camponeses) tendem a se posicionar, segundo Marx, do lado proletariado. O conflito de classes se simplifica. A burguesia foi a classe que destruiu o regime feudal, e para isso contou com a mobilização dos seus operários, dando-lhes os instrumentos políticos necessários. Mas, se o proletariado foi a classe que resultou e ajudou involuntariamente nessa transformação, será ela que buscará, ao tomar consciência de seu papel histórico, o fim do regime capitalista e, portanto, das relações de exploração,e a propriedade privada dos meios de produção, que constitui a sua forma jurídica. Reunidos em condições precárias de trabalho, o trabalho desumano e a baixa remuneração fazem com que proletariado e burguesia entrem em choque intermitente, que gradativamente assume o caráter de conflito de classe. O resultado dessa luta é a reunião dos operários, que se opõem aos burgueses, constituindo a verdadeira classe revolucionária, por ser o produto mais autêntico do regime capitalista. Dessa forma, o regime capitalista invoca o desenvolvimento das forças produtivas e a mobilização da classe operária necessários para a sua destruição.

Em breve, ou bem mais tarde, pretendo apresentar as nuaças especificadoras das noções de desigualdade social que podem ser encontradas nos clássicos da sociologia. Essa apresentação pretende, em primeiro lugar, afastar uma identificação forte entre as noções de classe social empregadas no marxismo daquela utilizada por Weber. Em segundo lugar, introduzir como se engendra a desigualdade social a partir da perspectiva do funcionalismo moral de Durkheim, que difere, para todos efeitos, da definição sugerida pelo funcionalismo geral, elaborada pelos teóricos americanos, Davis e Moore.