terça-feira, 27 de julho de 2010

A sociologia como ciência da sociedade

Apresentação
A sociologia, enquanto campo específico de pesquisa científica, distinto, portanto, das demais maneiras de conhecimento humano sobre as formas de existência coletiva, surgiu no século XIX. Foi Augusto Comte, que, em 1839, cunhou o termo física social, e, mais tarde, sociologia, como campo específico de investigação, sendo, por isso, considerado o seu fundador.
Contudo, o termo sociologia continua passível de inúmeras definições e interpretações. Algumas muito vagas, deixando margem a muita confusão, tais como: ciência da sociedade, ciência dos fenômenos sociais ou das instituições humanas, entre outras. Qualquer definição dependerá do que se entende pela noção de sociedade. Dessa forma, cada escola de pensamento criou definições próprias, segundo as suas orientações filosóficas, teóricas e metodológicas. Mas cada uma delas tomará, segundo seus próprios pontos de vista teóricos e metodológicos, em consideração o estudo das relações e interações humanas e dos fenômenos decorrentes do contato regular entre os homens.
Independente de sua orientação teórica e metodológica, a sociologia divide-se em vários subcampos de investigação: sociologia do trabalho, sociologia urbana, sociológica política, sociologia do conhecimento, sociologia do direito, etc. A lista é enorme, não sendo possível reproduzi-la aqui, mas envolve tantos outros fenômenos (alguns insuspeitos até bem pouco tempo): o cotidiano, o teatro, o amor, a amizade, assim por diante, desde que o pesquisador tente compreender esses fenômenos, ou os explicar, de forma sistemática, mediante o emprego de teorias e métodos que possam orientar em cada caso sua investigação.
Esse ecletismo de perspectivas teóricas e metodológicas, bem como a diversidade de subcampos de investigação, não significa que a sociologia deve abranger ou englobar todas as demais ciências sociais, a saber, a historia, a geografia humana, a ciência política, a antropologia, a educação entre outras. A sociologia possui um objeto próprio que não é tratado pelas outras ciências sociais. Isso não quer dizer que a sociologia não se interesse por essas disciplinas. Aliás, nada mais inexato! Com efeito, a sociologia faz uso, não raro, dos materiais produzidos pelas demais ciências sociais, embora, como já foi dito, ela possua um campo de investigação próprio diferente de qualquer uma destas.
Quanto ao seu status na sociedade, alguns sociólogos ficam verdadeiramente eufóricos em provar ou afirmar a sua disciplina como “ciência”. Tal euforia não é difícil de compreender-se, uma vez que a palavra “ciência” goza, em nossos dias, de um grande prestígio. E muitos, devido mesmo a sua condição humana, preocupam-se com seu status na sociedade. Cremos que a questão de sermos ou não chamados de cientistas é inócua. Enquanto estivermos descobrindo fatos úteis a respeito dos processos sociais, não é preciso nos preocupar com o que pensam a nosso respeito. É possível mesmo que aqueles que nos questionem o status de cientistas mudem de opinião após tomar conhecimento das importantes descobertas da sociologia. Fique claro que não estamos negando a cientificidade da sociologia. Concordamos que, em muitos aspectos, a sociologia se aproxima dos padrões mais rigorosos da produção científica, embora muito ainda possa ser discutido (inclusive o valor dessa aproximação com padrões tão rigorosos, em termos de suas limitações ao labor da pesquisa e prática sociológica).
Sem dúvida, podemos afirmar que a sociologia constitui uma forma de conhecimento diferente do “senso comum”. Convém lembrar que é ingênuo supor que qualquer pessoa de destaque, sendo ele próprio um ser humano, seja capaz, participando da vida social, de analisar e explicar com precisão coisas e acontecimentos sociais.
Quem quer que se aproxime de nossa disciplina poderá constatar que existem evidentes semelhanças entre a sociologia e qualquer outra ciência: 1) a seriedade e probidade do pesquisador; 2) o cuidado na investigação; 3) o basearem-se nossas generalizações em dados cada vez mais amplos e precisos; 4) a comparação sistemática de casos da mesma espécie; 5) em tomar em devida consideração os fatos que contradizem pressupostos teóricos; 6) o emprego de hipóteses e índices; 7) publicações que divulgam e expõem à crítica da comunidade científica as descobertas realizadas.
Os conhecimentos produzidos nessas circunstâncias diferem do conhecimento espontâneo de “senso comum”. E, cada vez mais, podemos dizer, sem sermos desmensuradamente otimistas, a sociologia tem avançado em suas descobertas acerca da natureza das coisas sociais, descrevendo, analisando e explicando, de maneira mais detalhada, o mundo social tal como existe.

Origem
A sociologia surge posteriormente à consolidação das ciências naturais e das outras ciências sociais. Embora as raízes do pensamento social – no sentido uma forma de conhecimento, não necessariamente científico, que tenha como objeto de reflexão a vida do homem em sociedade, ou em grupo - sejam difíceis de precisar, há um sentido real no qual uma nova ciência da sociedade, a sociologia, foi criada no século XIX. De forma que não nos interessa investigar, no momento, outras formas de conhecimento da vida grupal anteriores ou posteriores que não compartilhem de determinadas característica de cientificidade. Vale a pena, pois, precisar as circunstâncias em que isso ocorreu.
Como primeiro passo analítico, seria conveniente iniciar com os antecedentes intelectuais da sociologia. A sociologia tem de modo geral uma quádrupla origem intelectual na visão de BOTTOMORE (xxxx): 1) na filosofia política; 2) na filosofia da história; 3) nas teorias biológicas da evolução; e 4) nos movimentos de reforma social e política, que julgaram necessário realizar levantamentos das condições sociais. Duas dessas fontes, Bottomore considera particularmente importantes para o surgimento da sociologia: (a) a filosofia da história e (b) o levantamento social.
a) A filosofia da história enquanto ramo distinto de especulação é uma criação do século XVIII. Um de seus maiores e mais influentes instigadores foi Giambattista Vico, e uma de suas maiores contribuições para o pensamento ocidental foi a sua idéia de progresso. É preciso, pois, definir o seu significado, para compreender a importância que teve para a filosofia histórica e, consequentemente, para a origem da sociologia.
Grosso modo, para fins de precisão analítica, o conceito de progresso deve ser decomposto em seus elementos principais: 1) a noção de tempo irreversível; 2) a noção de movimento direcional, em que nenhum estágio se repete; 3) a idéia de progresso cumulativo; 4) a distinção entre estágios necessários característicos; 5) a ênfase em causas endógenas; 6) a concepção de processo inevitável ou inexorável; 7) a idéia de avanço, segundo um ponto de vista valorado.
Nesse sentido, interessava aos pensadores da época saber como se deu a passagem de um modo de vida “primitiva” para um modo de vida “culta e letrada”. Mas, com efeito, a falta de informações mais precisas sobre algumas fases do progresso, notadamente as relativas às sociedades tribais, ditas primitivas, inviabilizaria a construção de uma história do progresso humano. Para resolver esse problema, lançaram mão de um recurso indireto. Seria possível, a princípio, reconstruir o curso progressivo humano preenchendo as lacunas recorrendo a especulações baseadas nos “princípios conhecidos da natureza humana”, que pode ser denominado, com alguma imprecisão, de Filosofia Histórica.
Esse tipo de investigação teve repercussão positiva nos escritos de Hegel e Saint-Simom. Por sua vez, foi desses dois autores que brotaram os escritos de Comte e Marx, que tiveram uma importância considerável para a sociologia moderna.
b) o levantamento social – o levantamento social tem duas fontes. Primeiro foi a crescente convicção de que os métodos das ciências naturais poderiam ser empregados ao estudo das questões humanas, e que os fenômenos humanos poderiam ser classificados e medidos. Segundo foi a crescente preocupação com as questões sociais, como a pobreza, não mais entendida como fenômeno natural ou da providência, mas como conseqüência da exploração humana na ordem capitalista de produção. Sob essas influências, os levantamentos sociais passaram a ocupar lugar de relevo no planejamento social. Os levantamentos sociais continuam a ocupar um lugar importante na sociologia.
Outro relevante estímulo intelectual para a sociologia foi, sem dúvida, o Iluminismo. O Iluminismo foi um importante movimento filosófico, conhecido também como Esclarecimento, que se desenvolveu principalmente na França no Século XVIII, caracterizando-se pela defesa da ciência e da racionalidade crítica, contra o dogma religioso, ou o conhecimento fundamentado na tradição ou na autoridade. Do ponto de vista político, o Iluminismo defende as liberdades individuais contra o autoritarismo e o abuso de poder. Os Iluministas foram os representantes ideológicos da burguesia revolucionária francesa. Afirmavam que o homem poderia se liberar através da razão e do saber, que deveria estar ao alcance de todos. Essas questões terão relevância para a consolidação da sociologia, conforme veremos adiante. Por hora, gostaríamos de frisar que com o Iluminismo dá-se a passagem de um modo de pensamento eminentemente dedutivo para uma explicação da realidade baseada nas ciências naturais.
A sociologia é datada historicamente. O seu surgimento está vinculado à consolidação do capitalismo moderno. A dupla Revolução – a Revolução Industrial e a Revolução Francesa – corresponderiam aos dois lados da mesma moeda, a saber, a definitiva instalação do capitalismo moderno. Tentaremos, a seguir, não explicar porque e como essas revoluções ocorreram, mas como elas se relacionam com a sociologia.
A Revolução Industrial começou na Grã-Bretanha, e significou o triunfo da indústria capitalista que pouco a pouco concentrou as máquinas, as terras e as ferramentas, transformando grandes massas humanas em simples trabalhadores despossuídos e exploradas. Instala-se o modo de produção capitalista, que divide a sociedade cada vez mais entre burgueses – possuidores dos bens de produção – e proletários – possuidores apenas da força de trabalho. A consolidação do capitalismo correspondeu ao desaparecimento do pequeno proprietário rural e dos artesãos, e ao prolongamento das jornadas de trabalho em condições cada vez mais desumanas, utilizando-se, inclusive, a força de trabalho de mulheres e crianças.
Essas transformações tiveram efeitos traumáticos sobre milhares de seres humanos ao modificarem radicalmente as suas vidas.
Em pouco menos de um século, a Inglaterra transformou radicalmente a sua fisionomia com o vertiginoso deslocamento de almas do campo para as cidades. Incharam grandes centros urbanos, sem que esses contassem com uma estrutura que o sustentassem. Na primeira metade do século XIX, os governos tenderam a achar que não deveriam interferir muito num processo que acontecia sem planejamento, resultante de milhares de decisões isoladas. Os resultados foram muitas vezes desastrosos! As ruas não eram apenas sem pavimentação, mas sem iluminação e sem serviço de limpeza. O despertar para as necessidades de saúde e higiene foi lento, não pela falta de conhecimento ou de recursos, mas porque os que influenciavam os negócios e as opiniões tendiam a concordar em deixar a vida econômica sem controle e a permitir que o mercado regulasse a maneira de viver de pessoas, como a melhor forma de assegurar a crescente riqueza para todos! Foi a época em que as teorias do laissez-faire produziram seus maiores efeitos. Foi o laissez-faire que dificultou a vida de milhares de trabalhadores – horas longas das jornadas de trabalho, disciplina rígida, condições precárias e salários baixos. Apoiados nas leis, os empregadores mantinham esse estado de coisas, proibindo, por exemplo, aos trabalhadores formarem sindicatos em defesa de melhores salários e condições de trabalho ou persuadiram as autoridades públicas de que as greves eram subversivas e constituíam perigo à ordem social.
As conseqüências da rápida industrialização e urbanização foram comprometedoras: prostituição, perda da fé religiosa, anomia, suicídio, crises agudas de doenças, burocratização, miséria, crime e violência.
Essas questões chamavam atenção dos pensadores sociais: como uma época de abundancia e sofisticação produtiva nunca antes vista estaria criando pobreza e miséria devastadoras? Tornou-se claro para esses pensadores que eles não estavam diante de um problema natural ou da divina providência, mas de um problema “social”, sujeito ao estudo e, principalmente, ao aperfeiçoamento. Esse otimismo é a repercussão da capacidade que o homem desenvolveu de controlar a natureza. Ele percebeu que poderia compreender e controlar o seu meio social da mesma forma. O conhecimento, portanto, das causas da miséria e pobreza seria o passo inicial para a reforma social.
Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799 alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero da nobreza. A Revolução de 1789, como ficou também conhecida, foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana. Seus objetivos, portanto, iam além da transformação da estrutura do Estado, constituindo-se em mudanças profundas na antiga forma de sociedade, abolindo suas instituições tradicionais, seus costumes e hábitos. As conseqüências dessas transformações foram profundas, tanto na esfera política, como na econômica e na cultural.
A verdade é que, uma vez instalada no poder, a burguesia se assusta com a própria revolução. A facção dos Jacobinos, por exemplo, desejavam avançar a Revolução para além do interesse e do projeto da burguesia. Receosos, era preciso a burguesia contornar e controlar novos levantes sociais. Era imperativo, nesse sentido, proceder a modificações substancias nas suas teorias da sociedade. O ímpeto revolucionário inspirado na filosofia “negadora” do Iluminismo deveria ser agora domesticado. Era preciso uma nova forma de pensamento que conduzisse não mais a Revolução, mas à ordem, à organização e ao aperfeiçoamento da sociedade. Essa nova forma de conhecimento ficou conhecida como positivismo, em oposição ao “negativismo” da filosofia crítica Iluminista. Esses pensadores se propunham a repensar a nova ordem, buscando soluções para o estado de “desorganização” existente. Seria preciso fundar uma nova ciência.
Eis que se visualizava no horizonte a sociologia, que, mais do que criação de qualquer gênio especialmente dotado, era produto de necessidades práticas, na resolução dos conflitos em uma sociedade especialmente cindida.